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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Para além do "Fla/Flu"

O texto abaixo foi publicado em 13 de outubro de 2014, ou seja, antes do já concluído segundo turno das eleições do qual saiu vitoriosa a Presidenta Dilma Rousseff. É uma avaliação de conjuntura muito interessante e que mostra a situação atual do PT como refém das alianças pela "governabilidade" concretizadas desde as duas gestões de Lula.
Parece que, na batalha do segundo turno, "a unificação de forças no campo da esquerda" conseguiu adquirir sinais de realidade na medida  em que, na prática, setores mais à esquerda dentro do PT caminharam juntos ao PSOL, Luciana Genro, PCB, PSTU e demais setores da sociedade que clamam por reformas de caráter progressista. 
Amorim de Andrade

Além do duelo Dilma versus Aécio
ESCRITO POR HAMILTON OCTAVIO DE SOUZA 

Originalmente publicado em Correio da Cidadania

Após o descarte da súbita candidatura de Marina, o processo eleitoral de 2014 caminha agora em terreno mais seguro para o capital, em especial para os grupos dominantes que convivem muito bem tanto com os governos do PSDB quanto com os governos do PT. Com Dilma e Aécio, não existe mais o risco de qualquer surpresa, já que a limitada e controlada democracia brasileira retorna ao padrão de estabilidade dos últimos pleitos, pelo menos desde 1994. Tanto é que ambos são fortemente financiados por empreiteiras, bancos e grandes empresas subsidiadas pelo BNDES.

As avaliações do primeiro turno continuam alimentando a imprensa, os meios políticos e acadêmicos. Predomina, no geral, a percepção de que ocorreu um avanço conservador nas eleições proporcionais para deputados estaduais e federais, e na majoritária do Senado, não apenas devido ao aumento de parlamentares dos partidos de centro e de direita, mas porque em geral defendem posições contrárias às demandas dos movimentos sociais populares. As bancadas evangélica, ruralista, da bala (policiais e militares) e dos inúmeros lobbies de grupos empresariais privados praticamente imobilizam o Congresso Nacional e as assembleias estaduais.

Não é para menos: na campanha eleitoral do primeiro turno, a propaganda dos candidatos majoritários e proporcionais girou em torno da segurança pública (leia-se mais repressão em cima dos negros, pobres e manifestantes em geral) e da crítica às pautas dos movimentos LGBT, pela legalização do aborto e pela descriminalização da maconha. Com raríssimas exceções , de partidos como o PSOL, PCB, PSTU e PCO, todos os demais partidos se empenharam no discurso conservador, da mudança dentro da ordem vigente, o que combina com a postura editorial da mídia hegemônica e com a formação da opinião pública nos mais diferentes ambientes institucionais.

Agora no segundo turno devemos assistir ao videotape das campanhas de 2006 e 2010, com a mais brutal troca de acusações, as comparações exageradas e mentirosas entre as obras de cada um, os apelos emocionais típicos de religiões fundamentalistas nas sessões de exorcismo e de torcidas organizadas nos estádios de futebol. Essa disputa acirrada levada ao extremo de decisão entre vida e morte acaba por encobrir o que realmente está em jogo, qual é a verdadeira conjuntura política e econômica e o que existe de alternativa ao contínuo embate entre as classes trabalhadoras e as forças do capital.

É preciso deixar de lado as picuinhas trocadas pelas candidaturas, as artimanhas dos marqueteiros e os discursos rasteiros dos militantes e fanáticos de plantão, e fazer uma leitura mais cuidadosa e aprofundada sobre o que teremos no dia 26 de outubro e o que precisaremos ter para as batalhas que se apresentam no horizonte imediato. Não se trata de tangenciar a busca de uma saída inspirada no socialismo, mas de identificar de pronto o que mais ameaça o povo brasileiro na atual etapa do modelo dominante. O que enfim precisa ser superado na direção de uma sociedade mais democrática, justa e igualitária.

Esgotamento

Não há a menor dúvida de que os governos do PT, de 2003 em diante, conseguiram promover avanços sociais significativos para as parcelas mais pobres e exploradas da população, seja com programas compensatórios como bolsa-família, Prouni, Minha Casa Minha Vida, seja com aumentos reais do salário mínimo, com a consequente redução da desigualdade durante anos seguidos. Isso, a despeito de terem prosseguido as políticas neoliberais adotadas nos governos anteriores do PSDB, com as privatizações de rodovias, aeroportos, portos e das reservas do pré-sal, além do carreamento de recursos públicos para os grupos privados da educação, da saúde e de inúmeros serviços públicos.

O reconhecimento do que foi feito não pode servir jamais para encobrir ou desviar a nossa atenção sobre a situação atual, sobre o que aconteceu nos últimos anos do governo Dilma, sobre a realidade econômica do país e a condição política do arco de alianças constituído depois de 2002. O que importa agora é ter claro por que o quadro econômico alterou a situação que permitiu, e não permite mais, que se tenham avanços sociais; por que o quadro político alterou a correlação de forças na sociedade de tal maneira que o antigo arco de alianças não é mais capaz de promover novos avanços.

A aliança que o PT construiu com setores da burguesia (partidos de centro e de direita), que possibilitou avanços sociais durante vários anos (ampliação do bolsa-família, aumento real do salário mínimo, Prouni), chegou ao seu limite de conquistas, está patinando nos últimos dois a três anos, demonstra sinais claros de esgotamento, de tal maneira que não dispõe de energia suficiente nem para avançar mais e nem para segurar as conquistas e impedir o retrocesso.

Não consegue avançar. A prova real dessa impotência é que não consegue levar adiante a reforma agrária, congelada durante todo o governo Dilma; não consegue mobilizar para a reforma política, nem com proposta de constituinte exclusiva; não consegue concretizar novos aumentos reais do salário mínimo, com PIB perto de zero; não consegue acabar com o fator previdenciário, antiga reivindicação de trabalhadores e aposentados; não consegue levar adiante as apurações da Comissão da Verdade, nem nos quartéis nem no Judiciário; não consegue promover a democratização da comunicação social, apesar da danosa manipulação dos oligopólios privados; não consegue concluir a regulamentação do FGTS para os empregados domésticos; não consegue baixar os juros dos bancos e do comércio, com a Selic em 11% ao ano. Enfim, está com toda a agenda do desenvolvimento progressista empacada, patinando, e sem qualquer possibilidade de ser concretizada no próximo quatriênio.

Não segura o retrocesso. A prova disso é o descontrole geral dos preços, com câmbio artificial para favorecer importações de bens de consumo e juros altos para agradar os rentistas, o que provoca aumento da inflação acima da meta pré-fixada; a estagnação industrial sinaliza para o aumento do desemprego formal, em especial nos setores vitaminados com desonerações de impostos e linhas especiais de crédito; a curva da desigualdade, que vinha decrescendo, estancou de novo e pode provocar novo distanciamento entre ricos e pobres; o governo não consegue atrair investimentos nos setores produtivos por absoluta instabilidade interna; a dívida pública cresce e o governo usa artifícios de manipulação contábil para esconder o aumento do déficit público. Tudo indica que, após as eleições, ou no próximo governo, haverá um forte ajuste fiscal para conter o rombo no orçamento, e serão necessários reajustes nos preços dos combustíveis, energia elétrica e do câmbio, com desdobramentos em cadeia no custo de vida. Os trabalhadores e os segmentos populares é que vão pagar, mais uma vez, com arrocho salarial e desemprego.

Perspectiva

É evidente que o avanço na direção de novas conquistas sociais e da melhoria geral de condições de vida do povo depende agora de outra e nova articulação de forças políticas. De forças que combinem a ação institucional com as mobilizações populares e dos trabalhadores para exigir avanços sociais. É preciso recuperar a energia das mobilizações e dos protestos de 2013, por mudanças, num movimento de transformações sociais. Será preciso arrancar tais conquistas do bloco de poder. Só mesmo com uma ampla articulação à esquerda, decidida a fazer o enfrentamento aos grupos dominantes do capital, será possível romper com o status atual do grande pacto conservador, fortalecido ainda mais no primeiro turno das eleições de 2014.

A nova articulação precisa contar com a unificação de forças no campo da esquerda, inclusive com as correntes petistas que não se renderam ao neoliberalismo, numa frente que dialogue, atraia e reúna os movimentos sociais populares (sem terra, sem teto, negros, índios, mulheres, LGBT), sindicatos de trabalhadores, movimento estudantil, intelectualidade e academia, profissionais liberais progressistas, defensores dos direitos humanos e os setores democráticos mais avançados.

A eventual vitória da Dilma deixará os setores progressistas e de esquerda do PT mais uma vez a reboque das alianças conservadoras e da direita, numa situação econômica que não permite mais avanços sociais sem o devido enfrentamento com o capital. Esses setores tendem a ser cada vez mais espectadores de um processo de degradação acelerada das conquistas sociais dos anos anteriores. Não dá para ser passageiro no ônibus das alianças conservadoras, é preciso ser protagonista no bloco das oposições populares revolucionárias e de esquerda.

A eventual vitória de Aécio vai provocar uma corrida fisiológica dos aliados do PT para o campo governista, serão abrigados dentro do pacto conservador para manter o modelo funcionado: no campo político e comportamental, com Congresso Nacional conservador e Judiciário das classes dominantes; no campo econômico, juros altos para os rentistas, dinheiro público subsidiado para grandes grupos empresariais e câmbio favorável às importações para o consumo de baixa renda. E para os descontentes em geral, mais criminalização e mais repressão policial.

O voto em Dilma ou em Aécio não muda essa conjuntura. Ambos disputam o voto popular com promessas de toda ordem porque o voto popular decide a eleição; mas ambos se empenham realmente em fazer concessões, cada vez maiores, aos grupos do poder, aos capitais nacional e estrangeiro. É com eles que vão governar. Ao povo, aos trabalhadores, aos democratas progressistas, aos movimentos sociais e aos militantes das esquerdas compete dar o primeiro passo na construção de uma ampla frente popular de oposição e de esquerda, que seja anticapitalista e aponte na direção do socialismo. Vote na retomada das lutas sociais após 26 de outubro.

Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor.

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