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Como dizia apropriadamente Samuel Wainer: A PENA É LIVRE, MAS O PAPEL TEM DONO.
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domingo, 28 de outubro de 2012

A derrota da insensatez

Apreciei muito as reflexões do Jornalista Saul Leblon a respeito do resultado das eleições em São Paulo. Ficará transcrita neste blog.
Amorim de Andrade


O que fazer com a vitória em São Paulo?

Em política, o que fazer com a vitória é tão importante quanto vencer.
Cabe ao PT, a partir desta 2ª feira, dizer o que fará após derrotar em casa aquele que se propôs a ser o líder do conservadorismo brasileiro, José Serra.
Não é força de expressão colocar as peças no tabuleiro dessa forma polarizada.
Nem o gigantismo da cidade, nem o valor do seu orçamento - ainda que isso tenha um peso objetivo óbvio - elucidam porque a disputa em São Paulo se transformou no principal foco de atenção da mídia e do interesse do país.
O que distinguia o embate aqui como a disputa-chave das eleições brasileiras de 2012 era o confronto direto entre duas concepções de país, duas visões de democracia e duas propostas de desenvolvimento.
Pode-se dizer, em adendo, que um julgamento de recorte nitidamente conservador desse antagonismo está sendo levado a cabo no STF há mais de 40 dias.
No das urnas, venceu a agenda personificada por Fernando Haddad, com a desassombrada estratégia política de Lula.
O que foi derrotado não é pouco.
Já em 2002, ao perceber como inexorável a vitória do PT, Serra fez uma opção comunicada ao seu grupo e, naturalmente, aos barões da mídia embarcados no mesmo destino:o tucano queria reunir uma bolsa de pelo menos 35 milhões de votos no segundo turno para se tornar o líder do anti-petismo no país.
Consolidar-se como a nova garganta conservadora, na linhagem de Carlos Lacerda & assemelhados, implicava eliminar concorrentes dentro e fora do PSDB; catalisar com a facilidade previsível um leque de interesses do mercado e, sobretudo, coordenar a crosta de jornalistas e editores alinhados ao objetivo de impedir que Lula e o PT consolidassem uma nova hegemonia progressista na política brasileira.
Serra teve pouco mais que 33 milhões de votos em 2002, contra quase 53 milhões de Lula, o segundo presidente mais votado do mundo, depois de Reagan.
Sofreu um novo revés para a estreante Dilma Rousseff, em 2010, que trincou compartimentos do amplo comboio que comandava. Pode-se perguntar com razão o que seria de Serra se não dispusesse da âncora midiática que costurou a partir de São Paulo.
Em que pesem os descarrilamentos e colisões, o tucano manteve intacto esse vagão cargueiro estratégico.
Nele estava o curral de escribas e editores incorporados ao tudo ou nada que se urdia mais adiante. Ou seja, fazer do julgamento do chamado ' mensalão' a mãe de todas as eleições. Uma espécie de terceiro turno reordenador, capaz de condicionar o futuro e reescrever o passado ao desmoralizar o PT, destruir uma geração de lideranças, inviabilizar Lula e fragilizar Dilma até o limite do constrangimento, com vistas a 2014.
Serra vislumbrou na desfrutável interseção entre a eleição municipal e o julgamento da Ação 470 o palanque ideal para emergir como a garganta de ouro dessa desforra anti-petista, modulada pelo jogral das togas no STF.
Foi derrotado quando o conservadorismo e o seu curral midiático manejavam o que parecia ser a tempestade perfeita contra a esquerda.
Essa é a natureza do desastre de proporções ferroviárias que a direita acaba de colher em SP, a capital logística, política, financeira e principal caixa de ressonância ideológica do seu poder no país.
O PT não pode tratar essa vitória com acanhamento histórico.
Ela é mais profunda até do que sugerem os ingredientes visíveis nas urnas.
O moralismo oportunista de Serra, sua mutação de quadro desenvolvimentista ("de boca", diz Conceição Tavares) para um aliciador de malafaias, telhadas & higienistas sociais não acontece por acaso.
Trata-se da exteriorização predatória de um colapso subjacente à narrativa de uma campanha na qual muitos viram uma mutação do eleitor em consumidor.
Errado.
A degradação de Serra reflete, além do caráter, o esgotamento do projeto neoliberal abraçado pela coalizão conservadora no Brasil.
Quem se propunha a resolver os desafios da economia e da sociedade com a desregulação radical dos mercados, associada a um choque de laissez-faire sobre os diretos sociais, perdeu o chão a partir da crise de 2008, a maior do capitalismo desde 29.
Sobrou às gargantas conservadoras contrapor à desordem neoliberal a ordem e o progresso dos savonarolas & malafaias que não ameaçam a essência da mecânica conflagrada.
Recolocar as forças da economia à favor da sociedade, à favor da cidade e da cidadania implica, em primeiro lugar, politizar uma crise capturada pelo hermetismo das mesmas propostas e protagonistas que a originaram.
Essa é a contrapartida imediata que a cidade de São Paulo espera do PT. Em primeiro lugar, estabelecer laços de participação e discernimento que permitam à população entender a raiz de seus problemas. No limite, decidir em escrutínios plebiscitários o rumo a tomar.
A desordem quase ruinosa desse conflagrado ambiente urbano guarda vínculos com a desordem decorrente da implosão da exacerbação mercadista que jogou o mundo na crise atual.
Estamos falando de cisões, desigualdade, terceirizações, recuo criminoso do Estado, abandono, privilégio, fastígio, precariedade, desperdício de um lado, e desencanto de outro.
Não há panaceia técnica , tampouco orçamento suficiente para colar esse vaso de cristal trincado em milhares de pedaços.
Ou se politiza as diretrizes a seguir com a participação da sociedade, ou será a rendição aos ditames dos donos da metrópole.
O PT cometeu um erro em 2003, quando despolitizou em parte e negligenciou em grande medida o debate desassombrado dos desafios herdados do tucanato.
A construção das coalizões políticas é indispensável nas democracias representativas. Mas urdi-las sem o debate simultâneo com a sociedade pode amesquinhar o próprio mandato e a força intrínseca que as urnas conferem ao governante.
Fernando Haddad não pode repetir esse erro em São Paulo. Existe um saldo de experiências administrativas de esquerda para que se possa partir aqui de um nível superior de interlocução com a cidadania.
A construção de um novo projeto de democracia social para o século XXI não acontecerá a frio.
O PT assumiu o governo em 2003 com o risco-Brasil nas alturas; o dólar perto de R$ 4 reais e uma inflação projetada para 12 meses de quase 30%.
A urgência da estabilização relegou a reforma política para um segundo momento.
Entre acuado e perplexo , o PT sequer discutiu a necessidade de uma mídia independente que facilitasse o diálogo honesto entre as opções limitadas do país e as urgências da sociedade.
Rendeu-se assim à mediação feita pelo dispositivo midiático conservador, que rapidamente se mostrou um redil de pautas que seccionavam seu diálogo com a população e modulavam as alternativas ao sabor de interesses que não eram os do país.Em uma palavra, tornou-se quase refém dos interesses que havia derrotado no voto.
Um sistema político distorcido, incapaz de dar suporte democrático às mudanças requeridas pela sociedade, manteve-se assim o fiel da balança dos compromissos e programas sancionados pelas urnas.
O antagonismo entre as duas lógicas acentuou-se na permanente negociação da governabilidade que seguiu o padrão histórico: coalizão com divisão de cargos, dentro de um sistema político que irradia suas distorções para as políticas públicas.
É um crime querer infantilizar a sociedade brasileira e reduzir esse impasse ---e seus desdobramentos-- a um enredo de bandidos e mocinhos; de quadrilhas e juízes porretas; de puros contra pecadores, como quer parte da imprensa e uma certa narrativa preconceituosa e despolitizante que se esponja com o teatro das togas na Ação Penal 470.
Nos últimos 40 dias de julgamento do chamado 'mensalão', a militância do PT e as forças progressistas, de um modo geral, foram transformadas em personagens de um pesadelo. Como se um rolo compressor tivesse passado sobre a sua cabeça; dado a ré e esmagado o coração.
É preciso entender para não sucumbir.E, principalmente, não aceitar a ardilosa costura de verdades e mentiras que pretendeu ( e ainda pretende) empurrar o país para o funeral da esperança, em contraposição ao mingau ralo ministrado há séculos pelo conservadorismo.
Os coveiros da esperança sofreram uma derrota esmagadora em São Paulo nesse 28 de outubro de 2012.
Não queriam apenas destruir o PT nessas eleições. Pretendiam, acima de tudo, desqualificar e satanizar um projeto de Nação dentro da qual caibam todos os homens e mulheres, os jovens, as crianças e os idosos deste país.
Queriam descredenciar os avanços incontestáveis de uma década no campo social e econômico.E, sobretudo, circunscrever 40 milhões de vidas que escaparam da pobreza num círculo de giz feito de denuncismo anestesiante e ódio anti-petista. Trazem na ponta da língua a resposta quando a democracia chega à mesa do pobre: populismo.
O primeiro passo em São Paulo é arejar a cidade, abrir as portas da prefeitura, criar outras novas, eliminar as trancas e trazer a cidadania para a discussão serena e responsável da equação que interliga urgências, recursos e solidariedade.
No auge da crise de 2005 , quando a oposição ensaiou um movimento de impeachment contra o Presidente Lula, o escritor Fernando Veríssimo lembrou em uma crônica, o militante anônimo do PT, "....aquele sujeito agitando a bandeira vermelha, sozinho na esquina, porque acreditava, porque confiava'.
A melhor forma de São Paulo trazer de volta esse espírito de desprendimento engajado é chamar a cidade a assumir as rédeas do seu destino. Abrindo discussão imediatamente sobre o futuro com a cidadania. A ver.

Postado por Saul Leblon às 19:43 - Carta Maior


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