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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Julian Assange & Amaury Ribeiro Junior

Em seu livro A PRIVATARIA TUCANA o jornalista Amaury Ribeiro Junior escancara com farta documentação as “tenebrosas transações” escondidas sob o tapete das privatizações da era do PSDB.

Pois bem, a mídia gorda empresarial tenta desqualificar o autor do livro ao invés de se debruçar sobre o seu avassalador conteúdo. O tucano José Serra, eixo principal de toda essa história, diz que o livro “é um lixo”. À propósito, há realmente muito lixo no livro e o José Serra está bem no meio da lixeira.

O comportamento da nossa mídia gorda lembra muito o da mídia globalizada no que tange ao Weakleaks de Julian Assange. Por isso transcrevo o texto abaixo que pode ser encontrado em O outro lado da notícia.


A difícil luta de Julian Assange em mundo sem hippies

Em 1971, Daniel Ellsberg vazou para a opinião pública um bloco de documentos altamente secretos, do governo dos EUA, sobre a Guerra do Vietnã, conhecido como The Pentagon Papers [Documentos do Pentágono]. Aqueles documentos comprovaram, pela primeira vez, algo de que muita gente já suspeitava: que o governo dos EUA mentia aos cidadãos. Enquanto Lyndon Johnson dizia aos cidadãos que tinha intenção de promover a retirada e a ‘desescalada’, os Documentos do Pentágono revelaram o que de fato o governo já estava fazendo: promovendo escalada massiva na guerra do Vietnã, e que autorizara missões de ataque também em territórios do Cambodia e Laos.

Ellsberg enfrentou ameaças de prisão, de assassinado, de condenação por alta traição – o que se pode imaginar e também o inimaginável, para expor a verdade ao mundo. Conseguiu obter e divulgar a primeira evidência tangível de que o governo dos EUA mentira descaradamente aos cidadãos. Então, ninguém podia prever o que aconteceria depois daquele momento de medo e catarse.

Alguns anos depois, já ninguém pensaria em condenar Ellsberg por expor a verdade, e todos condenávamos os governos corruptos. Lembramos do incidente no Golfo de Tonkin como mais uma mentira divulgada pelo governo, não como plano que teria gorado porque teria sido denunciado por um traidor, empenhado em vazar segredos de Estado. Ellsberg, em pouco tempo, passou a ser tratado como herói, não como traidor.

Mas Ellsberg viveu numa geração de hippies – geração que valorizava a integridade e a verdade como princípio de vida –, e a revelação de Ellsberg incendiou a indignação pública como faísca em mato seco.

Quarenta anos depois, Julian Assange apresenta-se no cenário mundial com sua organização WikiLeaks, como um Ellsberg do século 21. É homem sem nacionalidade, e divulga, como a recebeu , pela Grande Rede, a informação que tem e deseja distribuir – retrato interessante do mundo contemporâneo. Sua organização deixa vazar documentos em escala jamais vista antes, enormemente mais ampla que as 1.000 página dos Documentos do Pentágono. O que revela, inclusive informação nova sobre assassinatos e tortura no Iraque depois de Abu Ghraib, entre elas 66.081 mortos iraquianos civis, provavelmente ainda mais chocante que as informações contidas nos Documentos do Pentágono. E, surpreendentemente, todos só falam sobre o homem que vazou a informação, que seria alguma coisa entre um idiota e um traidor; e ninguém comenta o conteúdo das novas informações.

Todo o noticiário sobre WikiLeaks parece concentrado sobre acusações de crime sexual que teria sido praticado pelo autor dos vazamentos na Suécia, ou sobre notícias de que o homem teria personalidade de ditador, o que teria levado vários dos voluntários que teriam trabalhado com ele a desistir da missão. Mídia alguma se dedica a repercutir o conteúdo dos arquivos vazados. Daniel Ellsberg diz ao New York Times que esperou “quarenta anos por alguém que divulgasse informação secreta em escala que realmente fizesse diferença”. Mas a verdade vazada por WiliLeaks parece não fazer diferença alguma. Fato é que, sim, o mundo mudou muito entre os anos de Ellsberg e os anos de Assange. Hoje, quando a nova informação que Assange afinal expôs ao mundo deveria ter provocado protestos de massa e clamor crescente por transparência e responsabilidade em tudo que os governos digam aos cidadãos através da mídia, a espantosa maioria dos cidadãos e absolutamente toda da mídia só faz falar de/sobre Assange, e em quase todos os casos contra Assange.

Não estou dizendo que Julian Assange não estuprou alguém na Suécia; não sei se estuprou ou não; se estuprou, deve ser condenado como todos os estupradores. O que estou dizendo é que é muito evidente o motivo pelo qual interessa à mídia e aos críticos de Assange desacreditá-lo. Ao mesmo tempo, se se considera que Assange reconheceu que manteve relações com “fãs”, mas que foram relações de sexo consensual, é também suspeitamente evidente o interesse que muitos podem ter em desacreditá-lo ‘em geral’, apresentá-lo, em geral, como doido (além de estuprador perverso).

É possível que Assange tenha mentido sobre suas aventuras sexuais, é possível que o que dizem alguns de seus ex-funcionários tenha fundamento na realidade, e que Assange seja chefe dominador, talvez, mesmo, tirânico. Nada disso tem qualquer relação com os documentos vazados sobre a guerra do Iraque. Os norte-americanos e o mundo esqueceram já, completamente, que Martin Luther King, Jr. envolveu-se em mais de uma aventura extraconjugal. É marca grave em seu passado. Mas a vida e a obra que construiu, a mensagem de sua vida, encontraram eco numa geração inteira de norte-americanos comprometidos com o projeto da mudança social.

Assange é hoje apátrida, sem casa, à procura de um país que o receba (perdeu recentemente a cidadania sueca); e o New York Times descreve-o literalmente como “fugitivo”, depois de rápida passagem pela Islândia. Mas Assange é excluído hoje, sobretudo, porque é figura de ‘sem-teto ideológico’.

40 anos depois, David Ellsberg diz que sente uma espécie de ‘irmandade’ com Assange, mas irmandade que não se vê em maior escala. Os documentos expostos por Assange não inspiram passeatas em direção a Washington nem qualquer tipo de protestos visíveis. O presidente Barack Obama, apesar de toda a retórica eleitoral sobre transparência e integridade, não elogiou Assange nem disse dele que seria um novo “campeão da verdade”. O Pentágono, de fato, não faz outra coisa que tentar silenciá-lo. E até governos estrangeiros, cujas agendas nada têm a ver com segredos militares ocultados, não se apressam em oferecer abrigo ou cidadania a Assange.

É como se Assange tivesse nascido em momento errado. Como se tivesse de esforçar-se muito para impor a verdade num mundo que já não manifesta qualquer apetite pela verdade. Sem aliados, nômade também no plano ideológico, não se sabe por quanto tempo a voz de Julian Assange conseguirá continuar a vazar fatos. Historicamente, as principais vozes de oposição que o mundo conheceu – de Martin Luther King a Malcolm X e John Lennon – parecem sempre encontrar pela frente, mais cedo ou mais tarde, forças que as silenciam e calam.

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