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sábado, 23 de julho de 2011

A mídia de jaleco branco

A relação, que beira a promiscuidade, entre profissionais de saúde, mídia e indústria é cada vez mais intensa. Está presente nas revistas, programas televisivos, outdoors, peças de marketing, etc. O atendimento à saúde da população sucumbiu às lógicas comerciais. Sobre essa questão foi muito interessante a discussão - que precisa ser aprofundada e divulgada - na TV Brasil do dia 19 do corrente. Transcrevo abaixo as considerações feitas por Lília Diniz.

José Amorim de Andrade

Como anda a saúde da cobertura de saúde?

Por Lilia Diniz em 21/07/2011 na edição 651 do Observatório da Imprensa


Lançamentos de medicamentos milagrosos, tecnologias inovadoras, dietas da moda têm espaço garantido na mídia. De fontes de informação, os médicos passaram a estrelas do jornalismo. Os cadernos dedicados à área de Saúde ganharam importância dentro dos jornais, enquanto nos canais de televisão os programas de promoção de um estilo de vida saudável têm audiência elevada. Por trás destas informações sobre Saúde está um ator cada vez mais poderoso: a indústria farmacêutica. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (19/07) pela TV Brasil discutiu o amplo destaque que as reportagens sobre Saúde ocupam na mídia.

Para debater o tema, Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, e o professor da Escola de Comunicação da UFRJ e pesquisador do CNPq Paulo Vaz. Médico sanitarista, Temporão é especialista em doenças infecciosas e tropicais. O ex-ministro é doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Paulo Vaz é autor de Um pensamento Infame e O inconsciente artificial e vêm pesquisando nos últimos anos as conseqüências éticas e políticas do modo como o conceito de risco aparece nos meios de comunicação. Em São Paulo, o Observatório recebeu Simone Iwasso, chefe de reportagem da editoria Vida do jornal O Estado de S.Paulo. A jornalista foi repórter por sete anos no jornal nas áreas de Saúde e Educação.

No editorial que abre o programa, Dines classificou a mídia como um “pátio de milagres” que promete a saúde eterna. “O culto irrestrito da Ciência e da Tecnologia converteu a humanidade em escrava das bulas de remédios e das páginas de medicina e saúde da mídia. Quem está ganhando com isso é a indústria farmacêutica que não pode prosperar sem o suporte da imprensa. A função da imprensa é informar, mas ela não pode distribuir informações e sintomas sem um contrapeso crítico. Sem a percepção de suas responsabilidades”, sublinhou Dines. Os médicos, na avaliação do jornalista, não deveriam recorrer à publicidade para “dramatizar estatísticas, criar alarmes e distribuir falsas esperanças”.

A mídia de jaleco

A reportagem exibida no Observatório mostrou a opinião de profissionais da área médica e da imprensa. Para Luis Castiel, médico sanitarista da Fiocruz, a indústria farmacêutica “não brinca em serviço”. Pressiona a mídia e os médicos para que estes adotem práticas de tratamento e prevenção que nem sempre são garantidas. Problemas como calvície e hiperatividade acabam sendo transferidos para a área médica. Castiel chamou a atenção para a participação de médicos em programas de televisão: “Os médicos refletem muito do espírito da nossa época. Na nossa época, quem não se sobressai, ou espetaculariza as suas qualidades, parece que não sobrevive neste meio. Eu acho que muitas vezes existe um afã de vender um produto. E, muitas vezes, o produto é a própria pessoa”.

Para Marcelo Daher, integrante da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, a imprensa recorre à área médica porque o retorno é garantido. Daher sublinhou que amídia “martela” na cabeça dos indivíduos a idéiade que a beleza deve ser conseguida de qualquer forma. “Freqüentemente,ela associa a beleza ao sucesso. Esse é que é o problema. Então, o jovem ou mesmo a pessoa de meiaidade, ou até a pessoa de terceira idade, inicia uma busca interminável pelos tratamentos de beleza em busca do sucesso”, explicou.Para o cirurgião plástico, o ideal seria que a imprensa fosse mais comedida ao informar para não prejudicar o paciente.

O médico Julio Abramczyk, que tem uma coluna na sobre Saúde na Folha de S.Paulo há mais de quatro décadas, criticou a atuação das assessorias de imprensa no setor médico. “Se nesta área de Saúde o repórter ou o redator não está bem enfronhado, pode acabar fazendo o jogo de uma firma que quer se autopromover, ou de um médico que quer se promover ou de um medicamento que quer ser vendido para a grande massa”, advertiu Abramczyk. O médico citou como exemplo o caso da proibição da publicidade do balão intragástrico, método que prometia auxiliar no emagrecimento. O conselho de autorregulação publicitária avaliou que a propaganda desta cirurgia era enganosa e proibiu a veiculação dos anúncios. “Eles falam das maravilhas que é este balão, mas não falam das conseqüências”, explicou o médico.

Doentes potenciais

No debate ao vivo, o ex-ministro Temporão destacou que a medicina está penetrando no dia-a-dia dos cidadãos por interesses mercadológicos. “Podemos usar o termo ‘medicalização da vida cotidiana’. Décadas atrás, a medicina sensu stricto tratava dos doentes. Depois, ela expandiu o seu alcance ao espaço da prevenção, da promoção. Depois, aos potencialmente doentes. E, hoje em dia, a todos. Inclusive aos saudáveis. Desconfia-se que cada um de nós é um doente em potencial e, portanto, objeto da intervenção médica”, criticou o ex-ministro. Temporão defendeu que a sociedade brasileira construa uma consciência política sobre Saúde. Este processo deve mesclar um processo de educação e de informação para que as pessoas possam cuidar melhor da saúde e uma consciência coletiva que mobilize a população para buscar melhores condições de vida.

“O que determina a saúde é a maneira como a riqueza e o poder se distribuem na sociedade”, resumiu o ex-ministro. Temporão chamou a atenção para o uso exagerado de medicamentos, que movimenta um “gigantesco mercado de inutilidades”. Neste sentido, crianças agitadas e inquietas estão sendo taxadas como hipertativas e tratadas com substâncias pesadas para ter um comportamento ‘mais adequado’. Suplementos vitamínicos e antidepressivos são prescritos em situações onde são absolutamente dispensáveis. “Se constrói uma cultura onde cada um de nós seja um consumidor de tecnologias, de medicamentos e de hábitos”, disse o médico.

Para Temporão, a sociedade vive um fenômeno complexo porque a prática médica moderna está cada vez mais tecnicista e distante do paciente. “A população busca se informar. Será que a qualidade desta informação é a mais adequada? Eu vejo muita contradição. Eu vejo coisas positivas, muitos programas na tv que são mais informativos, na linha de educar, mas vejo também muita má informação, desinformação e muita publicidade escondida, maquiada, sob a forma de informação”, alertou o ex-ministro. Temporão destacou que a informação de qualidade é importante tanto no jornalismo convencional, que precisa adotar padrões éticos, quanto nas novas mídias.

Informação comprometida

Na avaliação do ex-ministro, a população se depara com uma oferta de informação de qualidade, mas também com notícias que buscam estimular o consumo com baixo grau de consciência. O ex-ministro lembrou uma tirinha do cartunista Henfil publicada nos anos 1980: “O jovem pesquisador da indústria farmacêutica é chamado à sala do presidente da empresa. Ele se posta diante do presidente, que fala: ‘Parabéns! O remédio que o senhor desenvolveu foi aprovado’. A segunda tirinha é: ‘Agora, só falta o nosso departamento de marketing inventar a doença’”.

A jornalista Simone Iwasso, do O Estado de S.Paulo, falou sobre como ações de marketing podem levar à impressão de que novas doenças estão surgindo no mundo contemporâneo. Alguns meses após o lançamento de medicamentos para a disfunção erétil, a indústria farmacêutica começou a divulgar estudos que comprovariam a eficácia destes medicamentos para a disfunção sexual feminina. “Toda a imprensa entrou nisso e era simplesmente uma fumaça. Chegou a sair na imprensa muitas matérias sobre isso. Depoimentos de mulheres, as pessoas falando que poderiam experimentar o remédio. Passado algum tempo, novos estudos mostraram que não tinha eficácia nenhuma, que não tinha nenhum papel na fisiologia feminina”, contou a chefe de reportagem.

Simone Iwassocomentou que é um desafio diário separar o que é uma novidade relevante daquilo que representa apenas um lançamento da indústria de medicamentos. Chegam à redação, em busca de espaço no jornal, estudos com grupos pequenos de pessoas, pagos pela indústria e que têm resultados apenas preliminares. “Assuntos que não têm nenhuma relevância médica acabam sendo muito bombardeados e vendidos”, contou. A jornalista explicou que adota uma série de critérios objetivos para a divulgação de estudos científicos: o patrocínio da indústria, avaliação pelos pares e publicação em revistas científicas de credibilidade. “Todo dia a gente recebe muito material de um medicamento novo, de grandes coletivas que são organizadas em hotéis, em outras cidades. Muitos médicos são colocados como fontes. São médicos que estão em universidades e em hospitais, mas que são contratados também como speakers da indústria, têm estudos patrocinados pela indústria”, afirmou.

Risco em toda parte

Dines conversou com Paulo Vaz, que estuda percepção dos fatores de risco pela sociedade, a respeito da tutela do Estado sobre o cidadão na área de Saúde. Para o pesquisador, é preciso não deixar tudo ao arbítrio do indivíduo porque o cidadão se vê sob o jugo do saber médico e desconhece que este saber é falível. “Você faz como se o sentido da vida fosse só evitar a morte, só tentar desesperadamente não morrer e, ao mesmo tempo, tende a buscar uma beleza eterna. O outro problema é político. Você diz que a saúde, em última instância, depende do comportamento só dos indivíduos, esquecendo questões mais genéricas sobre as desigualdades estruturais da sociedade”.

Na avaliação de Vaz, para um jornalismo científico de qualidade, é preciso conjugar quatro dimensões: o receptor da mídia, o jornalista, a medicina e a indústria farmacêutica. Há um desejo de criar a “possibilidade da doença” e também a obrigação de que cada indivíduo cuide da sua própria saúde. “Você tem uma idéia de anormalidade que está generalizada e estimulando o consumo”, alertou. O pesquisador comentou que, nos Estados Unidos, onde a publicidade de medicamentos é liberada, é possível anunciar produtos para doenças que sequer foram reconhecidas pelos órgãos competentes.

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